Thursday, July 24, 2008

Orçamento participativo
O povo é quem mais manda no orçamento de 25 autarquias
09.06.2008, texto de Álvaro Vieira / Jornal Público

Dar a palavra aos eleitores na aplicação do dinheiro já não é uma ideia de esquerda. PSD tem tantas autarquias com orçamento participativo como a CDU.

Investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, o italiano Giovanni Allegretti vem realizando acções de formação em OP que o Banco Mundial dedica a políticos e técnicos do centro e leste da Europa. É ainda consultor dos OP de Veneza e de outras cidades italianas.
Como explica o aumento de OP em Portugal nos últimos anos?
Há uma vaga geral de OP na Europa. Os governos da Irlanda e o Reino Unido estão a promovê-lo e há cada vez mais conferências internacionais sobre o tema. Em Espanha também há grande proliferação na Andaluzia, em zonas próximas de Portugal. E a Associação Nacional de Municípios Portugueses parece mais sensibilizada. Vi o presidente numa conferência na Coreia do Sul, onde se ouviram comunicações triunfalistas sobre OP.

Os OP portugueses não são vinculativos. É um defeito?
O OP Light não faz mal, desde que não haja conflitos, opções em grande tensão. Muitos OP começaram assim e ganharam força. É importante que os políticos ganhem confiança num instrumento que ainda não dominam.
O OP consultivo pode ser um grau menos em termos de abertura, mas compreendo-o.

Relegitima os autarcas?
Falta em Portugal um movimento popular de exigência do OP. Os autarcas chegaram a ele por outros caminhos. Acho que, com a abstenção, com os cortes orçamentais e as tentativas de alterar a lei do Poder Local, sentiram que precisavam dos cidadãos do seu lado. a Não é fácil conceber que os suecos tenham algo a apreender com Portugal em matéria de democracia. Afinal, no ranking que o think tank britânico Demos apresentou em Janeiro sobre a qualidade da democracia quotidiana, a Suécia aparece em 1.º lugar e Portugal numa modesta 21.ª posição, entre 25 países europeus. Ainda assim, no ano passado, a Associação de Municípios e Regiões da Suécia (SALAR) enviou uma delegação a Portugal para estudar uma particularidade da democracia portuguesa: o facto de esta ser responsável por mais de 20 das cerca de 150 experiências de Orçamento Participativo (OP) conhecidas na Europa.Em 2000, o município de Palmela era um alfinete solitário espetado no mapa dos OP em Portugal.

Hoje são 25 as autarquias portuguesas, incluindo algumas das maiores cidades do país, que aderiram a este mecanismo de democracia directa, em que os eleitos devolvem a palavra aos eleitores para estes se pronunciarem sobre a aplicação de uma parte dos recursos financeiros do município ou da freguesia.

No II Encontro Nacional sobre Orçamento Participativo que decorreu a 15 e 16 de Maio em Palmela, o sociólogo Nelson Dias, coordenador do Orçamento Participativo Portugal (OPP) projecto que visa desenvolver esta forma de democracia directa entre as autarquias portuguesas chamou a atenção para este dado: quase 465 mil pessoas, 4,7 por cento da população nacional, vivem em territórios abrangidos por OP.

E isto sem contar com a adesão recente de Lisboa.Paradoxalmente, a taxa de participação é uma das fragilidades do OP. Dizer que 4,7 por cento da população vive em territórios abrangidos por este suplemento de democracia directa não significa que as pessoas em causa tenham intervindo no processo. Nos primeiros anos, de maior entusiasmo, o máximo que Palmela conseguiu foi envolver 4 por cento dos seus eleitores. A presidente da câmara, Ana Teresa Vicente, da CDU, admite que, hoje, essa percentagem é ainda inferior.

Do egoísmo à solidariedade
Já constatámos que, quando há mais dinheiro, as pessoas participam mais. É natural que, ao verem que investimentos decididos há dois anos não foram concretizados, desmobilizem um pouco. Por outro lado, até por força de alterações legais, os municípios têm cada vez menos dinheiro para investimento e mais para despesas como os transportes escolares ou o saneamento.

O OP de Palmela para 2008 concentra-se, por isso, nos pequenos melhoramentos, como o asfaltar de caminhos ou a iluminação de passadeiras. Mas Ana Teresa Vicente não pretende suspender o OP pela falta de participação, como fizeram Faro, Tomar e Agualva (Sintra), até porque lhe reconhece outros efeitos positivos, para além da transparência da gestão e da orientação para os serviços camarários. As associações de moradores pareciam fora de moda e regressaram, exemplifica.

O presidente da Junta de Carnide, Paulo Quaresma, atribui outra vantagem ao OP, adoptado nesta freguesia de Lisboa desde 2004: Ganha-se espírito de solidariedade.

A participação até pode começar por ser um acto egoísta, mas permite que os moradores da Quinta da Luz, por exemplo, concluam que a prioridade deve ser, afinal, o espaço verde de Telheiras, que está ainda pior.
A delegação da SALAR assistiu à última assembleia de cidadãos de Carnide e decidiu avançar com OP em seis cidades suecas, algumas delas com mais de 130 mil habitantes.
Não temos receitas para dar a ninguém. O que funciona aqui pode não funcionar noutro lado qualquer, relativiza Paulo Quaresma.

Paulo Quaresma também acredita que o OP contribui para uma opção eleitoral mais informada: A CDU ganhou nesta freguesia com 3 mil votos.
Mas a lista da CDU para a Câmara de Lisboa não obteve aqui mais de 1250 votos.
Não se encontra uma discrepância destas em nenhuma das mais de 4 mil freguesias do país.

Ainda assim, tanto em Carnide como em Palmela como em muitas outras autarquias nacionais e estrangeiras com OP, a abstenção nas últimas autárquicas foi até superior à média nacional.No encontro de Palmela, Nelson Dias chamou a atenção para outras fragilidades dos OP portugueses, a que eufemisticamente chamou “riscos”.

Sem particularizar, advertiu que não devolver [aos eleitores] os resultados, no final de cada ciclo, pode descredibilizar o processo.
A fase de prestação de contas, em que os autarcas informam os cidadãos sobre a execução do OP é muitas vezes negligenciada. São raros, por exemplo, os sites de autarquias que incluem a prestação de contas ou a versão final do OP.

No portal das Câmaras de Lisboa e Braga, por exemplo, há links para os Casamentos de Santo António e para o certame Larmóvel, mas nem rasto dos OP, que adoptaram no final de 2007.

No município lisboeta, que chegou a fazer reuniões nas freguesias sobre o Orçamento de 2008, o processo de OP está, aliás, em reformulação, depois de um parto difícil: proposto pelo vereador do BE, José Sá Fernandes, não colheu o apoio da bancada da CDU, que defende o OP noutras autarquias.
Em Braga, é o BE a considerar mero folclore o OP proposto pelo dinossauro autárquico Mesquita Machado, do PS, que incluiu um inquérito on-line aos munícipes e pedidos de sugestões às associações do concelho.

Outro risco dos OP em curso, alerta Nelson Dias, é “não trabalharem a apropriação dos processos por parte dos cidadãos”. “Se ficarem na exclusiva dependência da vontade política, os OP acabam, quando se verificar a alternância democrática. É preciso massa crítica para reivindicar que o OP continua, seja quem for o autarca eleito”, defende.

Seja como for, o OP está a tornar-se transversal, em termos político-partidários. A conotação esquerdista do OP inventado em Porto Alegre, a cidade brasileira do Fórum Social Mundial está a esbater-se.

O apoio de entidades supranacionais como as Nações Unidas, a União Europeia, o Banco Mundial ajudou a tornar mais consensual o OP, que já é abraçado por neofascistas italianos e cristãos progressistas da América do Sul, passando pelos partidos europeus do arco governativo.

Em Portugal o OP segue a mesma tendência, expandindo-se para norte e para a direita do espectro partidário.

O Sul [de Poretugal] ainda reúne quase metade das experiências, mas, em 2007, o OP atravessou o Mondego e chegou a Braga, seduzindo Aveiro de caminho.

A CDU também já não é a força hegemónica entre as autarquias com OP, dividindo agora a liderança com o PSD, com oito autarquias cada. E a própria Associação Nacional de Municípios Portugueses, através da campanha Cidadania Activa, lançada em Abril, começou a defender o envolvimento dos cidadãos no processo de decisão, como no OP: “O voto é hoje insuficiente”, proclama.

O que é o Orçamento Participativo (OP)?
O OP é um processo de participação dos cidadãos na tomada de decisão das autarquias sobre a afectação de parte dos seus recursos.
Os cidadãos e suas associações podem apresentar sugestões de investimentos e eleger a estrutura funcional e processual do seu OP.
O primeiro OP surgiu no Brasil, em Porto Alegre, em 1989.
Hoje, há mais de 2 mil OP no mundo, com diferentes matizes, concentrados sobretudo na América Latina e na Europa. Mas também há experiências de OP na América do Norte, em África e na Ásia.
Muitos são sectoriais, dedicados à Habitação e infra-estruturas, por exemplo.

As prioridades dos cidadãos vinculam os autarcas?
Depende. Há dois grandes tipos de OP: o consultivo, em que o resultado da participação directa não vincula; e o vinculativo, em que o poder local se compromete a executar as decisões resultantes do processo. Mas é quase sempre uma auto-vinculação do poder local. A opção pelo OP consultivo (em Portugal não há nenhum OP vinculativo) costuma ser justificada pelos autarcas com os seguintes argumentos: a percentagem de população que participa no OP é muito inferior à dos eleitores que elegeram os titulares do poder local, que já se apresentaram a sufrágio com um programa, pelo que um OP vinculativo levantaria problemas de legitimidade democrática; um orçamento é um processo complexo que a maior parte da população não domina. Os autarcas que preferem o OP vinculativo argumentam que a questão da legitimidade não se coloca, uma vez que já se apresentaram a sufrágio com a promessa de promoverem a co-decisão, e que cabe à autarquia instruir os processos de modo a tornar acessíveis os aspectos mais complexos do orçamento.

Como funciona o OP?
Varia muito. As propostas dos cidadãos podem apresentar-se em assembleia, por via postal, pela Internet, etc. O papel dos cidadãos na definição das regras do jogo do OP pode ser mais ou menos preponderante, consoante a autarquia adopte uma postura mais ou menos paternalista.

Qual é a escala territorial ?
Há municipais, infra-municipais (as freguesias, em Portugal) e supra-municipais por todo o mundo. Nada obriga a que o OP se restrinja às pequenas entidades territoriais. São Paulo, a maior metrópole da América do Sul, tem OP. Em Portugal, 465 mil pessoas, 4,7 por cento da população nacional, vivem em territórios abrangidos por OP. E isto sem contar com a adesão recente de Lisboa.

Recolha de Arnaldo Ribeiro, Junho 2008 para www.governancia.blogspot.com