Thursday, December 11, 2003

A via de garagem do poder regional ?

A actual administração local é herdeira de um pesado tributo. Não consegue ultrapassar os atavismos da sua dimensão territorial, apegada às quatro paredes dos Concelhos. Decalcada no sistema de administração estatal nacional, pauta-se por “métodos tradicionais, hierárquicos e legalistas” tal como descrito por um investigador americano especialista da realidade portuguesa, sendo que durante o execrável e fascista Estado Novo, a presente descrição saiu reforçada. Aliás, o nosso sistema tem todas as características que outro célebre investigador da ciência administrativa, atribui aos países em desenvolvimento.

Portanto, não pasmemos que o rei vá nu.
Se a organização do Estado compreende a existência de uma administração local (artigo 235º da Constituição) em hierarquia relevante na arquitectura jurídica, veja-se o lugar que usufrui, colocada antes da própria administração pública e da defesa nacional (é verdade, Sr. Ministro) o poder autárquico fixou-se apenas e para nossa desgraça colectiva, em duas instituições democráticos: as freguesias e os municípios. Nesta questão reside o embaraço do problema do poder local. Falta cumprir a instalação das regiões administrativas que alguns (muito poucos) defendem e que muitos tentam em expurgar da Constituição.

Ora o que se está a desenhar com o novo reordenamento do território e a emergência de inúmeras entidades metropolitanas vem reforçar o caótico estado da administração do território em lugar de o descomplexizar, agilizando a sua gestão.
Neste ponto, discordo do Professor Vital Moreira, quando considera (crónica no Público de 28 de Outubro) que a “hipótese intermunicipal (leia-se as novas áreas metropolitanas) é por enquanto a única solução a explorar”.
Não será bem assim.
Convém recordar que em toda a União Europeia, os territórios nacionais decompõem-se em três ou quatro níveis de competências autónomas e não parece que os Estados membros padeçam desta situação. São municípios, departamentos, províncias e até regiões mais desenvolvidas e mais competitivas. Verificou-se isso sim, em tempo oportuno, uma inversão da tendência centralista do Estado, diminuindo o fardo do centro, em benefício de novas entidades regionais democráticas.

No nosso país, poderíamos iniciar uma política planeada de desconcentração (uma transferência de competências em proveito de autoridades periféricas do Estado) por exemplo para os actuais distritos, com o reforço do papel coordenador e tutelar do Governo Civil, não receemos as palavras, com o objectivo de assegurar uma coesão na intervenção de todos os serviços do Estado. Uma lei do Governo anterior, veio aliás plasmar este conceito, que não se sabe, infelizmente, se teve resultados positivos...

Uma Assembleia Distrital (estrutura existente mas de que se desconhece os relatórios de actividades) constituída pelos autarcas, poderia receber competências novas, com meios técnicos, financeiros e humanos suficientes par um desempenho coerente e eficaz em prol das políticas de investimento e desenvolvimento dos territórios.

A coesão intersectorial seria reforçada com a instalação de um Instituto de Desenvolvimento Distrital, constituído por entidades da sociedade civil (associações empresariais, sindicatos, organizações sem fins lucrativos, universidades, etc) como actor consultivo co-decisional, isto é, uma instituição que em determinadas competências, participa como co-responsável pelas opções estratégicas do distrito. Uma forma inovadora de implementar a “governância” local e regional.

Em fase seguinte, a descentralização (uma transferência de competências em proveito de autoridades democráticas) viria reforçar este sistema instalado.
Após um período de uma ou duas décadas, e em face dos resultados alcançados por estas estruturas, curiosamente contempladas, pasme-se outra vez, na estrutura jurídica actual, os portugueses, quais cidadãos participativos, avocaríamos a perenidade do sistema descrito ou cumpriríamos, finalmente, as regiões administrativas. Cumpria-se um ciclo da nossa democracia em um período de meio século após o 25 de Abril, isto é, por volta do ano 2024, in fine.

Este percurso condiz com o que tenho defendido, relativamente ao Modo de Organização Sectorial (MOS) do país em oposição ao MOT - Modo de organização territorial que se está a implementar por estes Concelhos fora. O primeiro modelo exigindo do Estado e das autarquias uma visão sectorializada dos problemas e uma intervenção com objectivos de mudança e de desenvolvimento sustentado. O segundo modelo diz respeito a um maior investimento do Estado com as autarquias quando o impulso é o equipamento e as infraestruturas básicas, objectivo de estabilidade e crescimento.

Na Europa comunitária assiste-se à expansão da intervenção sectorial e não mais a territorial. O sectorial é, assim, uma nova referência de base.

Ora Portugal está, uma vez mais em contramão nesta matéria. É pena que se aposte no modelo territorial, que não é, como se viu, o modelo indicado para fomentar o desenvolvimento das regiões. Neste sentido, espera-se melhor argumentação dos que o defendem. O modelo sectorial é de facto, mais promotor de desenvolvimento sustentado, inclusive, unificador dos territórios, gerador de mais riqueza, bem estar e devir das populações. Não será este afinal o propósito de qualquer Estado, mesmo centralista ?

10.12.03