Thursday, August 21, 2003

Há pouco lancei para a primeira página deste blog, um texto algo comprido sobre a GOVERNÂNCIA LOCAL. É parte de um texto de introdução ao mestrado de adminsitração pública na UM Braga.
Se gente houver interessada em comentar, agradeço porque estou nestes meses longos, envolvido neste trabalho e todo o contributo é sempre benvindo.
um abraço que a festa em Viana continua
e eu a vê-la de longe. estudo a quanto obrigas.
arnaldo, neste final de quinta-feira, 21 agosto 18h33
A boa governança
obriga à participação dos cidadãos na gestão dos assuntos públicos


Texto de: Arnaldo Ribeiro,
Aluno do Mestrado em Administração Pública, Univ. Minho
Portugal


Introdução

A participação do cidadão nas decisões públicas poderá consubstanciar um dos pilares das democracias modernas. Todavia, esta participação sempre esteve condicionada aos desideratos institucionais e funcionais das organizações do Estado enquanto sumo administrador no contexto das teorias da “public choice”.

Em Portugal, há quase trinta anos que os constituintes portugueses estabeleceram como princípio fundamental do Estado de direito democrático “o aprofundamento da democracia participativa” (CRP: Artº 2º) e entenderam consignar o estímulo à “participação directa e activa de homens e mulheres na vida política, o que constitui instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático” (CRP: Artº 109º).

Nos Estados Unidos, o movimento, mais recente, do “Reinventing Government” insiste na necessidade imperiosa dos cidadãos controlarem a acção do governo, por forma a serem simultaneamente os donos e os consumidores de serviços públicos. Defende-se que deve recriar-se um ambiente de quase mercado em que os cidadãos sejam tratados como consumidores e não como objectos de decisões por parte de poderes autoritários e imperativos. O novo governo será, assim, reinventado.

No Reino Unido, as “Citizen Charter,” que materializaram nos anos de 1990, uma das políticas de reforma do sector público britânico, representam um contrato objectivo entre cada serviço estatal e os seus utilizadores, tendo-se verificado a sua expansão a vários países europeus.
Assim, em Portugal, os direitos do cidadãos face à administração pública ficaram consignados no Código de Procedimento Administrativo de 1991, alterado em 1996, entre outros textos.

A prioridade ao cidadão aparece igualmente objectivada em diversos trabalhos e orientações de organizações internacionais. Assim, “aprofundar a democracia num mundo fragmentado”, eis o desafio da ONU feito aos Estados membros, no último Relatório Mundial sobre o Desenvolvimento Humano.

No campo do “New Public Management” o movimento da “boa governança,” associado ao Banco Mundial, diz respeito à forma como estão organizadas as actividades de governo dos agentes políticos, administrativos e sociais.

Mas a “governance” apresenta várias acepções, por exemplo em função quer dos destinatários beneficiadores, quer das entidades emitentes, na ajuda ao desenvolvimento.

O termo tenderá, portanto, a significar, para uns, a procura de organizações responsáveis financeiramente e eficientes e, para outros, “governance” refere-se às formas assumidas pelas entidades de governo, agora partilhadas por um maior número de actores do que no passado, sem que nenhum em particular possa controlar os “outcomes”.

Portanto, “governance” (em português: governância) implica um processo de coordenação e de conciliação de múltiplos actores. Nesta acepção residirá, porventura, o nosso interesse social; trata-se, sem dúvida, de um verdadeiro desafio colectivo.

Se, de todo, este desafio é colocado a nível dos Estados subscritores da maior organização mundial, é pertinente reflectir sobre a sua materialização a nível infranacional e especificamente a nível da administração local municipal.

A relevância de um tema inesgotável

Se, por um lado, o Estado deve procurar aproximar-se dos administrados, não é menos verdade que os municípios como estruturas de maior cercania aos cidadãos devem aprofundar esta relação de proximidade para uma maior eficiência pública e o cumprimento dos preceitos democráticos.
A democracia local portuguesa tem existência muito recente, sendo que os órgãos dos municípios e das freguesias foram instituídos em 1976, com a aprovação da Constituição e as primeiras eleições em liberdade.

Com a integração europeia, em 1986, foram introduzidas novas orientações na gestão dos serviços públicos, alterando-se a visão tradicional do funcionalismo em relação aos cidadãos, em que se reforça, agora, a ideia de que a administração é um serviço e o público os seus “clientes”.

Ora, esta situação ainda não se encontra perfeita. Isto é, apesar do quadro institucional legal que contempla iniciativas meritórias de associação dos cidadãos à gestão municipal, a realidade poderá indicar um contexto adverso.

Questionar portanto a participação do cidadão a nível da administração pública local e, concretamente, se esta participação se configura como paradigma da mudança na administração municipal, poderá revestir-se de importância capital. Em face da crise da democracia representativa haverá urgência em encontrar novas formas de democracia participativa e o lugar do cidadão ainda estará por encontrar na esfera administrativa e política.

Isto é, perante o observável, como intervém, de facto, o munícipe no processo da tomada de decisão, a nível das câmaras municipais? Avaliar o grau de participação dos munícipes estará provavelmente relacionado com o grau de democraticidade do governo local. Possivelmente, entre o “state-centric model of governing” e um “opening governing” mais consentâneo com a nova governança.

A escassez de estudos de investigação, em Portugal, sobre o tema poderá ser sintomática da pouca relevância do mesmo nos meios académicos. Porventura uma consequência do grau de utilidade cívica que lhe atribuem as instâncias patrocinadoras/financiadoras ou governamentais, quer sejam de nível central ou local.
O questionamento da governança local não é assunto tabu, provavelmente, mas andará muito longe de ser uma questão de Estado para a classe política em geral e para os autarcas em particular.

Identificar os factores que medeiam as formas de participação dos cidadãos no processo de tomada de decisão nas câmaras municipais e como é que estes estimulam a adopção de decisões mais adequadas ou adoptam medidas de recalcamento, eis um assunto para uma investigação prospectiva, ela própria geradora de democracia.

Está por estudar se nas câmaras municipais, existe ou não uma preocupação com a participação dos cidadãos, se estes participam efectivamente e de que forma, ou, a contrario, se as decisões são tomadas ao arrepio destes.



Participação é sinónimo de desenvolvimento

O conceito de participação está intimamente ligado aos direitos da cidadania nomeadamente nos regimes democráticos modernos mas, infelizmente, este conceito ainda não estará contemplado nos direitos básicos da cidadania .
Nos anos de 1980, verificou-se o aumento da tendência para a participação da base para o topo e assistiu-se à defesa da convicção de que as pessoas afectadas por uma decisão têm de fazer parte desse processo que conduz à tomada dessa decisão.
Assim, participação e democracia estão intimamente ligadas e os conceitos de cidadania e de direitos de intervenção numa comunidade dão origem a diferentes formas de exercício democrático dos indivíduos.

Nas democracias modernas podemos distinguir a democracia directa da representativa e o apuramento das características de um e de outro tipo poderão ajudar à compreensão dos fenómenos de associação dos indivíduos aos processos de decisão, sobretudo a nível da administração local, sendo que as democracias contemporâneas são, essencialmente, de tipo representativo. Mas a democracia local estaria a passar de um modo autocrático para o consultivo e, inclusive, para um modo de gestão em rede.

Ainda recentemente, a OCDE debruçou-se sobre as mudanças na administração pública do ponto de vista da aproximação aos cidadãos. Concretamente, o grupo de trabalho PUMA desenvolveu um estudo intensivo sobre o reforço das conexões entre governo e cidadãos.
Constata-se que o processo de formulação das políticas não se limitará hoje em dia, às exíguas equipas de governantes ou de autarcas, senão a um leque mais alargado de intervenientes quer seja individuais: pessoas, peritos profissionais, etc. quer colectivos: associações de cidadãos, cooperativas, empresas, organizações transnacionais, inclusive.
Entretanto, os eleitos vão arbitrar entre o objectivo de impor uma política e o de tomar em conta a opinião dos cidadãos.

Porventura, poderíamos afirmar que raramente os eleitos se interrogam sobre a forma como eles próprios utilizam os poderes que lhes foram conferidos pelos seus cidadãos.
A governança é uma proposta de abertura do processo de elaboração das políticas para que mais pessoas e mais organizações estejam envolvidas na sua concepção e realização. Com esta abertura, aumenta a responsabilização dos cidadãos na partilha das decisões e do controlo da eficácia.

Verifica-se um aumento considerável da importância dada à “partilha da governança”, pelo intermédio de instituições e de aproximação baseadas em uma colaboração mais estreita entre o Estado e os organismos do sector associativo. Mas muitos questionam sobre se esta prática não esconderá uma demissão de quem governa relativamente ao mandato que recebeu para governar bem. Ou ainda, se a retórica da partilha seria apenas uma manobra discursiva do governo para fazer aceitar a sua desresponsabilização social, comprometendo o sector associativo e a sociedade civil.

O processo de tomada de decisão incorpora portanto estas participações externas ou rejeita-as liminarmente. Porventura fará a escolha sistemática entre os dois regimes democráticos representativos da decisão consensual ou maioritária.

Todas as organizações integram na sua gestão, um processo de tomada de decisão e a boa ou má gestão encontra-se ligada à boa ou má tomada de decisão e as seis funções no processo de tomada de decisão, que desenvolveu Harrison apresentam-se sequencialmente e estão sujeitas, como referimos acima, a inúmera informação interna e externa à organização. Nesta confrontação, poderá residir o fenómeno da participação do cidadão.
Os modelos explicativos do processo de decisão são divergentes e oscilam entre o racional, o pluralista e o organizacional, sendo que defende-se que diversos modelos concorrem para o processo de decisão e estes sofrem as pressões dos grupos de interesses dos clientes e das organizações. Todavia, o decisor, seja ele um indivíduo ou um colégio, confronta-se com estes inputs diversos e concorrenciais para finalmente formar a sua opinião e decidir.

E esta decisão nunca satisfaz todos os interessados, gerando conflitos, que, por seu turno, vão implicar em outras decisões.

Afinal, podemos estar a assistir à emergência de um fenómeno compósito de afeiçoamento ideológico das diversas posições dos diversos parceiros sociais (cada qual defendendo os seus interesses) para um aperfeiçoamento político e decisional o mais consensual possível. Ou, pelo contrário, como está a ser estudado nos Estados Unidos, em particular, emerge nas organizações um novo perito, especializado na gestão e na prevenção de conflitos na organização.

No seio das estruturas municipais políticas, inúmeras decisões são tomadas em situação de conflito latente ou aberto com o próprio ambiente interno e externo à organização, propositadamente em alguns casos, para o decisor assumir uma mudança indesejada ou até combatida.

É hoje comumente aceite que a racionalidade dos políticos varia conforme o ciclo político-económico, tudo levando a que cada política pública seja um caso, não sendo possível prever com precisão qual será o output, os tipos de decisão, “o processo de conversão” dos inputs em outputs deste sistema político administrativo particular, sendo certo que a cultura política condiciona igualmente estes elementos.

A nível municipal, a Lei das Autarquias Locais, de 1999, elenca dois princípios fundamentais no que concerne às relações interorgânicas: o princípio da independência e o da especialidade. O processo político municipal enforma um sistema de conjugação de esforços no sentido de uma cooperação institucional entre os dois órgãos – a Assembleia e a Câmara. Mas é na câmara municipal que pendem as maiores responsabilidades, atinentes à iniciativa, à execução e perenidade das suas intervenções e à assembleia municipal o papel imprescindível da aprovação das políticas e do controlo.

A intervenção do cidadão faz-se portanto nos dois níveis de governo local, quer na assembleia, quer na câmara e algumas disposições contemplam esta participação, quer a montante, quer a jusante das tomadas de decisão. A Lei determina quais são as diversas figuras que contemplam a participação directa dos cidadãos, a título pessoal ou através das suas organizações representativas, nos assuntos da administração local.

As figuras da parceria, da cooperação, da participação, da defesa do consumidor, etc. aparecem plasmadas na lei, conferindo-lhes a característica formal que molda as relações do cidadão com a administração local e vice versa. A este nível administrativo surge o debate político da transformação (?) da democracia representativa em democracia directa, isto para centrar a preocupação (do legislador apenas?) em conferir aos cidadãos uma intervenção mais activa nas decisões políticas.

Mas os destinatários das políticas não serão afinal, aqueles que melhor podem dar indicações quanto às respostas mais adequadas aos problemas ? Existe um esquema de implicação das pessoas que pressupõe a partilha de informação e a manutenção de canais de comunicação permanentes, pelo que podemos detectar três tipos de relação entre cidadãos e eleitos: Participação – informação; Participação – consulta e Participação – concertação, sendo que neste último caso, estes elementos podem tornar-se forças de “vigilância”, de propostas e de acção pontual ou permanente.

O ciclo de gestão, por sua vez, valoriza uma articulação sistémica de objectivos e meios, de componentes estruturais e comportamentais em que a participação do cidadão ocupa lugar de relevo.

A associação do cidadão à tomada de decisão foi promovida nos Estados Unidos nos anos de 1990 para contrariar a acentuada centralização do poder e a desadequação das políticas aos problemas. Outra preocupação prende-se com a mudança da administração pública para aumentar a sua eficácia. Antecederam trabalhos de investigação, nos anos de 1960, com a introdução da escala de participação do cidadão nos programas do governo, os institutos da parceria, do poder delegado e do controlo por parte do cidadão, os graus de participação simbólica e o de ausência de participação.

Unanimemente, os investigadores insistem no desinteresse dos cidadãos pelas questões políticas que comprometem inclusive a democracia e as decisões tomadas que serão do agrado das elites mas afastadas da maioria.

A participação tem custos, efectivamente. Mas os cidadãos envolvem-se mais se consideram que os benefícios são superiores apesar de uma cultura não participativa. Mas defende-se que o estímulo da participação reforça a ligação dos cidadãos ao seu território e ao desenvolvimento endógeno. Hoje em dia, assistimos à reactivação do sentido cívico e político do cidadão, e no plano jurídico, nota-se uma evolução para a concertação e o referendo local.

(continua)

Este texto omite voluntariamente as referências bibliográficas utilizadas. Estão disponíveis por solicitação: (arnaldojoaquim@hotmail.com) (www.arnaldoribeiro.no.sapo.pt)

Arnaldo Ribeiro. 20 Agosto de 03
Dia de Nossa Senhora da Agonia, Viana do Castelo - Portugal